quarta-feira, 11 de maio de 2011

...

O dentista olha para o interior da boca do paciente e abana a cabeça, com uma careta. "Acho que teremos de extrair. A lesão se espalhou por todo o dente". 

"Arrrgh", responde o paciente, segurando com mais força os braços da cadeira. 

"Não se preocupe. Nossos registros nos informam que o senhor tem um depósito de células-tronco conosco. Um dente novo estará pronto rapidamente. Marque uma consulta para colocar o seu dente quando sair. Digamos daqui a dez semanas". 

Quando mencionamos bioengenharia, a última coisa em que as pessoas pensam são dentes. Órgãos vitais como o fígado, os rins ou o coração - os que matam o paciente caso deixem de funcionar, são uma coisa. Mas, dentes?

Alguns poucos grupos de pesquisadores acreditam que, no momento, a odontologia apresente alguns dos desenvolvimentos mais animadores na área da bioengenharia. E talvez demore apenas dez anos para que uma variação da cena descrita acima seja executada de verdade nas cadeiras dos dentistas, calcula Paul Sharpe, diretor de desenvolvimento craniofacial no King's College de Londres. "O objetivo é que, quando você for ao dentista, tenha células extraídas e trabalhadas por engenharia genética", diz. "Depois, as inserimos no lugar onde você precisa de um dente e logo um dente novo cresce". 

Em um mundo cheio de abalos e sem cura absoluta para a decadência dentária, haverá sempre dentes precisando de substituição. Mas, encaremos os fatos: as opções disponíveis são menos que ideais. Dentaduras são desconfortáveis, canhestras e inconvenientes. Implantes de titânio de última geração implicam em trabalho odontológico pesado e sangrento, e ainda assim não são exatamente como dentes reais. Já está mais que na hora de surgirem alternativas melhores. 

A bioengenharia avançou bastante nos últimos anos, e com isso surgiu a possibilidade de criar órgãos do zero. Os dentes são um alvo atraente para os bioengenheiros. Eles não mantêm as pessoas vivas, como o fígado e o coração, de modo que se um dente não crescesse de maneira correta, o dentista poderia simplesmente extraí-lo e começar de novo -algo bem menos temerário do que implantar um fígado criado por engenharia genética e vê-lo deixando de funcionar. Além disso, chegar ao local do implante não requer uma cirurgia de grande porte -apenas o familiar "abra bem a boca". De fato, alguns pesquisadores acreditam que os dentes tenham sido negligenciados de maneira insensata, em comparação com os esforços de criar órgãos mais "glamorosos" por engenharia genética. 

E existe uma boa chance de que a vaidade humana garanta um suprimento constante de dinheiro para a pesquisa necessária. O imenso mercado norte-americano de odontologia cosmética testemunha o anseio de pelo menos um país pelo sorriso perfeito. As empresas de biotecnologia já estão salivando diante da idéia de conquistar uma fatia dessa torta multibilionária. Os fundadores da Dentigenix, uma empresa norte-americana criada em novembro, planejam adquirir licenças para técnicas desenvolvidas por outros pesquisadores que trabalham com reparos dentários e regeneração de dentes integrais. O executivo chefe do grupo, Christopher Somogyi, que costumava trabalhar no ramo de capital para empreendimentos biotecnológicos, diz que a "revolução na engenharia de tecidos que temos na medicina ainda não avançou de maneira equivalente na odontologia. Nas conferências, quando um cardiologista entra na sala, toda a atenção é dedicada a ele". Mas, acrescenta, "o número imenso de procedimentos potenciais" faz da odontologia uma área ideal de investimento. 

Produção adicional de dentes

Existem inúmeros motivos para acreditar que a regeneração de dentes é viável, de acordo com Mary MacDougall, diretora associada da Escola de Odontologia da Universidade do Texas. Muitos dos vertebrados inferiores desenvolvem novos dentes constantemente -e algumas espécies de tubarões produzem milhares deles ao longo de uma vida. Ainda que os mamíferos tenham perdido essa capacidade há muito tempo, as pessoas com certas doenças genéticas de fato geram dentes adicionais. E os ossos -que compartilham de certos materiais básicos com os dentes- podem se regenerar depois de ferimentos, então por que o mesmo não se aplicaria aos dentes? "A cada vez que temos uma fratura, nossos ossos se curam. Estamos apenas tentando aumentar a capacidade do corpo quanto a isso", diz MacDougall. 

Não será fácil. Os dentes são compostos por diversos tipos diferentes de tecidos, entre os quais a dentina dura, e por uma camada fina de esmalte-a substância mais dura do corpo humano. O desenvolvimento deles é deflagrado por sinalização bilateral entre as células de pele, ou epiteliais, das gengivas e as células ósseas. As dificuldades são muitas, mas existem muitos pesquisadores otimistas e trabalhando em linhas diferenciadas de ataque. MacDougall diz: "É essa mistura de abordagens que levará a uma solução". 

A posição dos otimistas foi estimulada pela confirmação de que existem células-tronco dentárias. As células-tronco têm a capacidade incrivelmente valiosa de se desenvolver na forma de tipos diferentes de tecido. No passado consideradas como presentes exclusivamente em embriões, agora se sabe que elas de fato persistem em muitos tecidos. 

Dois anos atrás, Songtau Shi e colegas do Instituto Nacional da Saúde dos Estados Unidos descobriram células capazes de se tornar odontoblastos produtores de dentina. Os pesquisadores usaram polpa dental extraída de dentes do siso (3º molar) humanos, dividiram-na com enzimas e procederam à incubação em soluções de Petri. A maior parte das células morreu, mas algumas poucas continuaram crescendo e se dividindo -um sinal claro de que se tratava de células-tronco. Os pesquisadores calcularam que dos milhões de células em uma câmara de polpa dentária, cerca de 80 são células-tronco. 

O próximo desafio era descobrir se essas células poderiam ser encorajadas a se desenvolver na forma de odontoblastos. A equipe de Shi misturou as células-tronco da polpa dentária com hidroxiapatita, a parte mineral da dentina, e as implantaram sob a pele de camundongos, para simular sua posição normal debaixo das células epiteliais da gengiva. Dois meses mais tarde, algumas das células haviam  se transformado em odontoblastos, e começaram a excretar dentina, com sua reveladora estrutura cristalina. E algumas haviam formado uma substância semelhante à polpa, contendo vasos sangüíneos e tecido nervoso. "Todos nos surpreendemos quando vimos o resultado no microscópio", relembra Shi. "A experiência demonstrava que a regeneração de dentes era pelo menos teoricamente possível". 

Transformar camundongos em fábricas de dentes é uma opção pouco atraente. Outros pesquisadores estão tentando gerar o sinal vital epitelial de maneira mais autêntica. Localizar as células-tronco do epitélio será muito mais difícil do que localizar as da polpa dentária. Durante o desenvolvimento, as células produtoras de esmalte (ameloblastos) se posicionam sobre o esmalte que excretam. Tão logo um dente irrompe através da gengiva, a camada superficial de ameloblastos é desgastada rapidamente e perdida para sempre -ou é isso que as pessoas sempre acreditaram. 

MacDougall, porém, diz que sua equipe descobriu uma fonte de células epiteliais dentro dos dentes de ratos adultos -ainda que ela não informe exatamente onde por motivos comerciais. Quando essas células são cultivadas em laboratório ao lado de células de polpa dentária, formam-se estruturas de dentina e esmalte. MacDougall diz que "não é 100% um dente", mas perto disso. O próximo passo de seu grupo será implantar o dente nas mandíbulas de animais, permitindo que ele se funda lentamente com o osso ao longo de alguns meses. Em clínicas, um cronograma assim longo seria desvantajoso, diz ela, mas não muito pior do que o dos implantes de titânio usados hoje, lembra. 


Dente em botão

A abordagem de MacDougall não é a única, porém. Há quem favoreça o cultivo de um dentre dentro da gengiva mesmo, permitindo que o cimento e os ligamentos se desenvolvam de maneira mais natural. O plano é inserir um dente em uma gengiva em estágio muito anterior de seu desenvolvimento, quando não passa de um conjunto de células, um "dente em botão" de apenas alguns milímetros de comprimento. 

Um dos que planejam usar essa abordagem é Jay Vacanti, que trabalha no Massachussets General Hospital, de Boston. Vacanti é um dos pioneiros na engenharia de tecidos -cinco anos atrás, ele ajudou a criar a famosa "orelha" artificial implantada de maneira tão bizarra nas costas de um rato. Em trabalho submetido para publicação, ele e Pam Yelick, do Instituto Forsyth, de Boston, estão cultivando dentes dentro de ratos, em seus intestinos. Trata-se de uma técnica já testada com sucesso na engenharia de tecidos, aproveitando o rico suprimento de sangue intestinal. 

"Nós geramos com sucesso pequenos dentes que contêm estruturas epiteliais e mesênquimas", diz Yelick. "Agora, estamos aprendendo como criar dentes maiores alterando as condições de cultivo". Por enquanto, Vacanti e Yelick estão obtendo células de dentes em desenvolvimento em embriões de ratos. Yelick diz que o próximo obstáculo será descobrir como cultivar dentes com células-tronco adultas. 

Em Londres, depois de muitos anos de trabalho com células-tronco embriônicas, Sharpe está agora usando células-tronco adultas, ainda que não revele quais. E está cultivando dentes em soluções de cultura, e não no interior de animais. Ao descobrir as moléculas sinalizadoras corretas, ele persuadiu diversos tipos de célula-tronco de camundongos adultos a se desenvolverem como células progenitoras de dentes e como dentes imaturos. 

O próximo passo para ele é implantar os brotos de dentes em mandíbulas de animais. Ele calcula que o broto dentário em desenvolvimento atrairá suas próprias conexões nervosas e sangüíneas, e desenvolverá cimento e ligamentos próprios. "Assim que se dá o primeiro empurrão, eles crescem sozinhos", diz. 

Ainda que tenha publicado poucos detalhes de suas técnicas, diversos pesquisadores no ramo acreditam que Sharpe seja o cientista a observar. Sharpe confia em que suas técnicas atingirão estágio clínico, e criou uma empresa, a Odontis, para explorá-las. Ele não se preocupa muito com as críticas de que o desenvolvimento de dentes é complexo demais para ser emulado. "Sim, é complicado", diz. "Mas estamos permitindo que as rotas naturais de desenvolvimento embriônico trabalhem em nosso favor". 

Mutação genética

Esses implantes de brotos de dentes seriam quase como a coisa real -mas não completamente. MacDougall tem objetivo ainda mais ambicioso -persuadir dentes a crescer, do zero, de dentro da gengiva. Ela acredita que a pesquisa de sua equipe sobre uma bizarra desordem genética chamada displasia cleidocranial abrirá o caminho. As pessoas afetadas sofrem de diversas anormalidades, incluindo cabeças deformadas, falta de ossos claviculares e, intrigantemente, dentes adicionais. 

Todos os problemas derivam da mutação de um único gene, o RUNX2. Ele tem tantos efeitos que é evidente que deve desempenhar um papel-chave no desenvolvimento inicial do esqueleto, conectando-se a muitos genes posteriores, diz Macdougall. O laboratório dela está tentando descobrir qual desses genes posteriores deflagra o desenvolvimento de dentes, e como acioná-lo. "O corpo tem capacidade para fazê-lo. Precisamos apenas aprender mais sobre o processo e adquirir controle sobre ele", diz. MacDougall quer ganhar a capacidade de provocar o desenvolvimento de um novo dente com uma ou duas injeções na gengiva, para que alguns meses mais tarde surja um dente plenamente formado. 

Embora os implantes de brotos dentários de Sharpe talvez pareçam mais promissores por enquanto, a meta de longo prazo de MacDougall talvez se prove mais simples para os pacientes. MacDougall admite, porém, que esse tratamento envolveria um preço a ser pago. O processo de surgimento de um dente através da gengiva -a dentição-, é algo que não nos deixou muito contentes da última vez que passamos por ele, aos seis meses de idade. "Jamais pensamos na erupção de dentes como problema, até recentemente", diz. "Um jornalista de uma revista masculina de saúde me perguntou se os homens estariam prontos a passar de novo pela dentição. É um problema potencial". A maior parte das pessoas conseguiria suportar o desconforto sem muitas queixas, acredita ela. "Suponho que possamos lhes receitar anestésicos, ou um protetor bucal".

Nenhum comentário:

Postar um comentário